O despertador vibrava ensurdecedor, aos ouvidos de
Felipe. Já passava das sete horas, e ele que fora dormir lá pelas quatro,
ergueu-se de um salto e enfiou-se no chuveiro, deixando com que a água fria o
acordasse de vez. Lançou demorado olhar ao relógio e sorriu. Como sempre estava
atrasado. Marcara com o grupo as oito e ainda se encontrava no banho. Na
verdade, achava aquela ideia meio louca, mas a ideia fora de Douglas e, ele,
por ser o líder, não devia ser contestado; ainda mais porque não lhe surgira
ideia melhor.
Meia hora depois estava diante do portão de sua casa
a espera da condução. O silêncio atordoante de sua casa o avisava de que seus
pais haviam deixado o Rio e viajado para o Espírito Santo, para a fazenda de
seu avô.
“É bom!”
Lá vinha o dito ônibus. Pensou duas vezes se lhe
fazia sinal, ou se voltava e ligava ao Douglas, dizendo que não ia. Por certo,
de nada adiantaria, pois o amigo já devia estar esperando-o no muro da casa de
Flamarion.
“Isto é invasão de domicílio...”.
Riu entrando no ônibus, chamando a atenção dos poucos
passageiros. Sentou-se a um canto, sozinho, sentindo-se alvo dos olhares
desconfiados daqueles que compartilhavam da mesma condução. Já estava
acostumado com aquela reação, pelas roupas extravagantes que normalmente usava
e pela cor negra de sua pele. Desceu na Urca e andou ainda por mais ou menos
quinze minutos, até parar numa rua sem saída, onde Douglas e Antônio Carlos o
esperavam.
- Olá companheiros?
Cumprimentaram-se, e foi Douglas que lançando um
olhar ao redor, quem perguntou:
- Vamos agir?
- Tem certeza?
Douglas confirmou, apesar de entender a preocupação
de Felipe e mesmo de Antônio Carlos. Se fossem pegos invadindo a casa de
Flamarion, seriam levados à delegacia e ele, principalmente ele, não poderia se
meter em nova encrenca ou acabaria muito mal.
- Antônio fica de olho.
Antonio Carlos não precisou de mais nenhuma palavra
e confirmou com a cabeça.
Rápido e ágeis, os dois rapazes ganharam o lado
oposto da rua, e após certificarem-se de que não havia viva alma os observando,
transpuseram o muro da casa do professor. Antônio Carlos, sabendo que os amigos
estariam bem, afastou-se um pouco para não chamar a atenção sobre si. Nada
poderia dar errado, nada mesmo.
- Contou aos outros o que estamos fazendo?
Douglas riu.
- Está louco! Ana me entregaria. É muito arriscado e
o único que poderia nos tirar desta, se formos pegos, é meu tio, mas ele já
esta uma fera comigo por causa das fotos.
Olhou Felipe com calma. Estavam diante da porta principal
do velho casarão, meio acabado pelo tempo.
- Como vamos entrar?
- Pela porta... – respondeu Douglas, misterioso, enquanto
andava para os fundos da casa. – Já vim muitas vezes aqui. O professor gostava
de me mostrar as suas descobertas... Há uma chave sobressalente. – Douglas
estava preocupado. – Ele vivia esquecendo a sua. Fiz uma cópia e a escondi.
Felipe nada disse.
Continuaram no caminho. Às vezes eram espantados
pelas ratazanas que circulavam livremente no jardim, agora tomado pelo mato e
pelas ervas daninhas. Havia dezenas de buracos em todos os cantos, provando aos
dois que o abandono era geral.
- Isto aqui esta entregue as baratas! – exclamou
Felipe.
Douglas riu.
- O professor nunca foi uma pessoa muito organizada.
Agora que ele desapareceu, as coisas pioraram... – Aproximou-se de uma velha
árvore e, de um buraco no tronco, retirou uma pequena caixa de fósforos, demonstrando
para Felipe que a entrada no lar de Flamarion seria mais fácil do que o amigo
estava a pensar. – Vamos?
Felipe deu de ombros.
Em instantes, encontravam-se no limiar da entrada da
casa. O silêncio imperava e a única coisa que podiam ouvir, era o canto do
bem-te-vi ao largo, como única testemunha daquela loucura.
- O que vamos procurar? – perguntou Felipe, olhando
ao redor. A casa estava realmente uma bagunça. – É pouco o que disse sobre a
organização do professor...
- Não foi o professor. – Douglas encarou o amigo. –
Alguém andou procurando algo...
- As fotos?
Douglas deu de ombros, não sabia.
- Procure algo que possa nos ajudar. Alguma
anotação, talvez um telefone. Infelizmente, o professor não era dado à
modernidade.
Felipe via isto.
- Você fica por aqui. – Douglas subiu em direção aos
quartos e ao gabinete. – Vou ver o andar de cima. Se houver qualquer coisa, me
procure. Não grite!
- Pode deixar.
Felipe viu o amigo desaparecer e tratou de passar os
olhos sobre a bagunça reinante. Seria difícil encontrar qualquer indício que
pudesse auxiliá-los em sua busca. Pouco depois, Douglas juntava-se a ele, um
tanto desanimado.
- Nada lá em cima?
Douglas balançou a cabeça.
- Está tão revirado que se havia algo já não está
mais lá.
Felipe tinha a mesma ideia.
- O que vamos fazer então?
Douglas olhou o relógio.
- Preciso voltar para casa.
- Então, a ação!
Douglas concordou. Nada mais tinham a fazer na casa
de Flamarion, não era bom exigir muito da boa sorte.
Assim que Antonio Carlos os viu surgir atravessando
a rua, suspirou aliviado. Tudo correra bem, ninguém percebera nada, apesar de
ver pela fisionomia dos dois amigos, que o risco fora infrutífero.
- E agora?
Douglas olhou em direção ao Pão de Açúcar.
- Devemos nos encontrar mais tarde... Todos!
Mais do que um pedido, era uma ordem.
- Às sete?
Douglas sorriu.
- Às onze.
Os dois amigos o olharam e, compreendendo o porquê
daquela hora, resolveram acatá-la sem reclamar.
- Vou ver se consigo chegar a tempo.
Fez um rápido gesto aos amigos e, com um ligeiro sorriso,
afastou-se desaparecendo por entre a multidão que agora perambulava pela principal
avenida. Seria questão de minutos, entrar no ônibus e conseguir chegar a sua
casa sem que seus pais dessem pela sua falta; o que era quase impossível de se
fazer já que ele se encontrava na Urca e, sua casa, distanciava-se quase uma
hora dali.
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