Esqueçam as modinhas atuais de livros que falam de bruxos,
romances adolescentes, anjos caídos, vampiros, reinos e distopias.
Este livro traz à tona um assunto bem realista muito
pesado e delicado, que a população fecha os olhos perante essa problemática
social: o abuso sexual infantil.
“A saga de um pintor: Inocência perdida” é o
primeiro livro de uma saga de quatro livros.
Conta a história de dois irmãos gêmeos que
foram separados quando ainda recém-nascidos, pelo pai Carlos Fábio Albuquerque,
filho de um barão dono da fazenda Rui Velho – Mato Grosso.
Na introdução a autora mostra ao leitor
a vida da família Albuquerque onde o anfitrião é convencido a sair de sua
fazenda após sua venda e se mudar para Porto Alegre por motivos de saúde.
Tobias(11 anos de idade) é seu filho adotivo desde que fora encontrado pelo seu
filho mais velho, Carlos Fábio, num estábulo, que por esse a criança sofria
agressões constantes. Um garoto doce, e que nascera mudo.
Do outro lado, no orfanato São Marcos
dirigido por padres, está Felipe(11 anos de idade), um garoto amado por todos,
ativo e que gosta de aprontar. Até então o leitor não sabe qual a relação dele
com a história até que Tobias – após se mudar para Porto Alegre com os
Albuquerque – acaba por estudar na escola do orfanato e é lá onde ele entra em
contato com Felipe e de cara os dois tem uma forte conexão.
Ana – esposa de Fabio Orlando desconfia
de que Tobias seja parente de Felipe, assim como também seu filho Thomas, até o
próprio Felipe acredita que Tobias seja seu irmão e empolgado com sua intuição
acaba por ir atrás do garoto.
Em outro ponto, é mostrado o cotidiano
do filho mais velho de Fabio Orlando – Carlos Fabio Albuquerque –, que fugira
da família indo residir em São Paulo com Marcele, sua esposa, onde tiveram
Natanael. Logo de cara o leitor se deparar com um personagem emocionalmente
desequilibrado, um pai que espanca o filho, e um garoto(Natanael) reprimido
pelas agressões sofridas e que após sofrer ameaça de ser mandado para um
internato no exterior acaba por fugir de casa para real desespero de Marcele e
falso de Carlos Fabio.
Carlos Fabio está passando por mudanças
na empresa em que seu sócio está vendendo sua parte, então ele compra, porém,
precisa de alguém de confiança para continuar o negócio e a primeira pessoa que
lhe vem à mente é seu irmão Thomas. Mas como falar com ele se Carlos fez
questão de se distanciar da família cerca dez anos sem olhar para trás?
Então, é que meses depois e sem notícias
do filho, resolve procurar por sua família que tanto ele rejeitara, atrás de
anistia e claro do irmão para ajudá-lo.
É neste momento em que Carlos Fabio
entra em contato com os irmão Tobias e Felipe que com seu pai Fabio Orlando,
pondo-o contra a parede, assume que os dois são seus filhos, tendo de contar o
que aconteceu no passado…
Os garotos acabam por ir morar com
Carlos e Marcele em São Paulo, Thomas acaba por aceitar a proposta do irmão e
vai morar em outro local da grande cidade.
Tudo é aparentemente bom, até que os
garotos começam a sofrer com o desequilíbrio do pai. Primeiro Tobias, o garoto
que não pode nem ao menos falar para se defender e vendo o sofrimento deste,
Felipe acaba por se tornar um escudo para ele se impondo ao que o pai faz com
seu irmão, a questão é que Felipe não sabe que na verdade seu pai é bem pior do
que mostra ser, e num joguinho psicológico em que Carlos impõe a Felipe o pobre
garoto acaba por se tornar vítima de violência corporal, verbal e o pior de
todos, o sexual – o qual é chantageado constantemente em que Carlos usa Tobias
como forma de atingir Felipe e fazê-lo ficar em sua mão.
A autora, mostra muito bem durante os
diálogos e cenas, a retratação de como vítimas da violência sexual são coagidas
e tratadas pelos seus abusadores, e o que causa na mentalidade dessas pessoas
violentadas. Os danos mentais e corporais que ficarão para sempre.
Num dos momentos tensos da trama é
apresentado Humberto, um pediatra amigo de Carlos Fabio, que acoberta os crimes
cometidos pelo amigo e que também faz parte da cúpula de molestadores. A
história deixa clara que existe algo que o prende a Carlos Fabio e que com o
passar dos capítulos o leitor se deparar com o motivo…
Uma passagem bem interessante sobre o
efeito causado pelo abuso sexual, mostra o que Felipe sente, e acredito que
seja o mesmo para todos que passam por algo do tipo:
“Felipe
calou-se olhando aos macacos que se agitavam na jaula, eufóricos, gritando,
como se pedissem que fossem soltos. Era assim que ele se sentia, preso ao pai,
irremediavelmente atado aos desejos dele. Repentinamente, engoliu em seco,
tentando controlar-se e não explodir num choro desesperado.”
Roberto Azevedo de Lima (irmão do Padre
Leôncio), este é nome do investigador que surge como uma esperança na vida de
Felipe, que com Thomas, planejam um cerco para pegar Carlos Fabio no flagrante
e a todos os envolvidos.
É perante esta transição da história
rumo ao ato final que Felipe chega à conclusão de que deve reagir, e isso surge
através crescimento mútuo de sua destruição interior logo refletindo em sua
personalidade de forma negativa e ao mesmo instante defensiva; o ódio; a
amargura; todos os piores sentimentos juntos para uma única finalidade:
vingança. Assim fica claro no trecho:
“Você me destruiu… Mas eu vou destruir a você meu pai”.
Ainda existe um local específico onde
os criminoso sexuais praticarem seus crimes, A ilha de Humberto, que é mostrada
ao leitor como um local particular das atrocidades não somente deles como
também dos amigos que partilham do mesmos desejos doentios, onde tem um
“estoque” de crianças e jovens de ambos os sexos para a satisfação sexual
alheia. E não somente isso, após uma certa idade, os jovens são descartado –
vendidos no comércio sexual ou lhe tirado os órgão para venda.
A autora foi cuidadosa em mostrar os
estágios do efeito que um abuso sexual causa na mentalidade de uma pessoa – no
caso do livro uma criança – e os sinais que são emitidos por tais.
Felipe é um personagem forte, porém, é
destruído por dentro e isso é uma marca que nunca superará.
Como se trata de uma saga, o final
deste deixa uma âncora para o próximo, causando no leitor grande curiosidade
para saber os acontecimentos posteriores.
A capa logo deixa claro o clima da
obra, onde se tem um garoto todo vestido de preto numa floresta. A imagem está
em tons cinza e preto com a fonte do texto em vermelho, mostrando a densidade,
como nuvens carregas no céu num dia nublado. O título numa fonte que parece que
as letras estão com rachaduras como cicatrizes que ficarão marcadas.
A diagramação é peculiar, com a mesma
floresta que estampa a capa, porém vazia com uma pedra enorme no meio do
caminho, dando uma alusão ao destino de Felipe neste primeiro livro, em que
tudo fica difícil para ele após as agressões.
O livro retrata de maneira bastante
nua, não somente a vida das vítimas, como também dos criminosos aos quais são
sociopatas de alta periculosidade, mestres na arte de deixar tudo ao próprio
favor. Além de tratar de assuntos como comércio sexual infantil e tráfico de
órgãos.
É uma leitura sóbria e equilibrada com
clímax intensos e momento de sede de justiça, a autora soube manusear bem todo
a trama para que o contexto não ficasse evasivo. Tem uma ótima revisão e
diagramação.
Sim, este livro é um reflexo da vida
real, e sim, estes tipos de pessoas existem em todos os lugares.
Recomendo bastante, você não se
arrependerá.
Resenha de Fernando Mello, escritor e resenhista da ArcaLiterária.
Link para saber mais do livro: http://www.livrariadragoeditorial.com/products/a-saga-de-um-pintor-inocencia-perdida-p-m-mariano/
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